Coelhos & Lebres
Como sabem, mesmo que não sejam da Quercus ou dos Verdes, o Alentejo, e outras zonas inóspitas do país, suponho, têm bicheza desta às carradas. Aos milhares, mesmo. Às dezenas de milhar, talvez. A expressão "fornicar que nem coelhos" explica tudo. E por haver tantos em todo o lado chegam a ser ignorados e relegados ao insigificante estatuto de uma mosca, por exemplo. O que quero dizer com isto é que ninguém se espanta ao ver ou atropelar um coelho, mas se vir, ou atropelar, uma raposa ou um javali já é um acontecimento digno de uma nota de rodapé no Jornal Nacional da TVI, e até mesmo de uma entrevista exclusiva no programa matinal. Isto é o estatuto dos coelhos e lebres no campo. Na cidade as coisas são diferentes, já são adoptados como um animal de estimação, bem lavadinhos em lixívia, e postos numa gaiolinha toda janota, como se fossem hamsters gigantes de orelhas mutantes, com nomes amaricados e óbvios como "Bunny" ou "Roger". Contudo, seja num verdejante prado ou numa gaiola de subúrbio citadino, estes bichos fazem exactamente a mesma coisa: comer, mexer o nariz e fornicar.
No entanto, aqui no campo há pessoas que gostavam de viver na cidade e têm atitudes estranhas e estúpidas, como por exemplo adoptar um animal selvagem, como uma cria de coelho encontrada na berma da estrada, domesticá-la e torná-la "querida & fofinha". Vamos ver se nos entendemos, o bicho não é branco, logo não tem aquela fofura de anúcio de amaciador, não é inteligente o suficiente para aprender a responder ao nome, nem sequer a um assobio, e se falarmos em tacho ou arroz os donos vão aos arames. Então qual é a razão de ser daquele animal de estimação? Nenhuma. Ainda por cima hoje pregou-me uma dentada num dedo que até se me envinagrou a vista. E depois ficou ali, com a cara-de-parvo do costume, como se dissesse "Mordi-te, e depois? Vais-me bater, é?", enquanto a dona dava umas gargalhadinhas de gozo, como quem diz "Eh! Foste mordido por um coelho... Vê lá não te arranque um braço". Apeteceu-me esquartejar aqueles dois.
Acreditem, há poucas coisas que tirem tanta dignidade como sermos mordidos por um bicho tão estúpido e inútil como um coelho. Mas pior ainda é haver testemunhas.
Acreditem, há poucas coisas que tirem tanta dignidade como sermos mordidos por um bicho tão estúpido e inútil como um coelho. Mas pior ainda é haver testemunhas.